Por Kiyoshi Harada.

Competência tributária é matéria que tem sede na Constituição Federal.  A Carta Magna atribui a cada ente político componente da Federação o poder de tributar, visando assegurar independência financeira capaz de manter a autonomia político-administrativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 18 da CF).

Daí a discriminação constitucional de impostos cabentes a cada uma das entidades políticas supra referidas (arts. 153, 155 e 156 da CF).

Essa matéria é regulada em nível de normas gerais pelo art. 6º do CTN que assim prescreve:

 

“Art. 6º A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei.

Parágrafo único. Os tributos cuja receita seja distribuída, no todo ou em parte, a outras pessoas jurídicas de direito público pertencem à competência legislativa daquela a que tenham sido atribuídos”.

 

Como decorrência da discriminação constitucional de impostos privativos de cada entre político federado resulta a vedação de bitributação jurídica[1], a menos que haja expressa ressalva no texto constitucional. O poder de instituir tributos tem como corolário o poder de isentar. As chamadas isenções heterônomas que floresceram à luz da Constituição centralista de 1967/1969 não mais subsistem, por força do disposto no art. 151, III, da CF/1988 que veda a União de instituir isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Em matéria tributária as três entidades políticas detêm competência legislativa plena, respeitadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal.

Dessa forma, a legislação tributária de cada ente político, além de observar os princípios tributários previstos notadamente nos arts. 150 a 152 da CF deve observar outros princípios previstos nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, assim como as normas gerais em matéria de legislação tributária estabelecidas pelo CTN (art. 146 da CF).

Advirta-se, contudo, que as Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios não podem estabelecer princípios tributários próprios que contrariem os princípios constitucionais expressos ou implícitos. Nem podem restringir ou ampliar a competência tributária que deriva diretamente da Carta Magna. Tampouco, podem interferir na autonomia tributária dos Municípios.[2] Daí por que os princípios tributários estabelecidos nas Constituições Estaduais, de regra, são meramente repetitivos daqueles inscritos na Constituição Federal.

Outrossim, alguns impostos estaduais são dependentes de prévia definição de seu fato gerador por lei complementar (art. 146, III, a da CF), como é o caso do IPVA, e da regulamentação por lei complementar, para evitar conflitos tributários, como é o caso do ITCMD, na hipótese de o doador ter domicílio ou residência no exterior, ou se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior (art. 155, § 1º, III da CF).

Só que decorridos mais de 32 anos o legislador nacional não definiu o fato gerador do IPVA, nem regulamentou a disposição do inciso III, do § 1º, do art. 155 da CF.

A omissão do legislador nacional não impediu de os Estados instituírem o IPVA, ainda que gerando guerras fiscais entre os Estados, que diminuem as alíquotas para atrair o registro de veículos em seu Estado. A questão foi parar no STF que, por maioria de votos, fixou a tese do local de pagamento do imposto no lugar do domicílio ou da residência do proprietário do veículo (RE nº 1016605-MG, Rel. Min. Marco Aurélio; Rel. pra Acórdão Min. Alexandre de Morais, Plenário, Sessão Virtual de 5.6.2020 a 15.6.2020; ata do julgamento publicado no DJe de 29-9-2020). No caso confundiu-se o local do registro do veículo, definido no art. 120 do CBT, com o local de domicílio ou residência do proprietário, o que cria dificuldades operacionais no ato do pagamento do imposto.

No que tange ao ITCMD as legislações estaduais foram contestadas e a questão foi, igualmente, parar no STF que está, por maioria de seis votos, assentando a tese de que é inconstitucional a instituição do ITCMD quando há envolvimento de bens situados no exterior para evitar conflitos tributários entre os Estados. O julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Alexandre de Morais. (RE nº 851.108, Rel. Min. Dias Tóffoli, j. 4-11-2020).

Penso com a devida vênia que os Estados podem e devem instituir os impostos de sua competência exercendo a competência legislativa plena na hipótese de omissão da lei complementar, nos termos dos parágrafos do art. 24 da CF:

 

“Art. 24 Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente:

[...]

  • 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados;
  • 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena para atender a suas peculiaridades;
  • 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário”.

 

O perigo de eventual conflito entre os Estados de que fala o Ministro Relator do processo deve ser dirimido, se e quando isso ocorrer, a exemplo do que vem sendo feito em relação ao IPVA. Certo ou errado, o critério interpretativo deve ser uniforme.

Finalmente, o parágrafo único, apenas com o fito de evitar possíveis discussões a respeito, prescreve que os entes políticos destinatários da totalidade ou parte do produto de arrecadação de tributos alheios não têm competência legislativa em relação a tais tributos. Em outras palavras a repartição da receita tributária, matéria pertencente ao ramo do direito financeiro, não implica modificação da competência tributária. A divisão não igualitária do bolo tributário entre os entes da Federação fez com que se instituísse o sistema de repartição do produto da arrecadação de impostos federais (arts. 157, 158, I e II, e 159 da CF) e de impostos estaduais (art. 158, III e IV, da CF). Os entes políticos beneficiários da parcela de arrecadação de tributos alheios, não detendo competência legislativa sobre esses tributos, somente podem exigir o recebimento da parcela que lhes foram atribuídas pela Constituição, fato que não lhes assegura, por si só, a sua autonomia financeira e, por conseguinte, a autonomia político-administrativa.

De fato, basta a União instituir, por exemplo, incentivos fiscais nas áreas do imposto de renda e do imposto sobre produtos industrializados para causar, de imediato, a diminuição das parcelas cabentes aos Estados e aos Municípios, sem que eles possam intentar qualquer ação judicial contra a União, como se pretendia no passado.

 

SP, 16-11--2020.

 

[1]      Entende-se por bitributação jurídica duas entidades políticas tributando a situação que configura o mesmo fato gerador.

 

[2]      Súm. nº 69: “A Constituição Estadual não pode estabelecer limite para o aumento de tributos municipais”.