De Sintra:

“Respondi telefonicamente a um anúncio da Medicar que me submeteu a um interrogatório telefónico.

Paguei dois meses mas concluí que este Plano de Saúde mais não era que um logro e que não me trazia quaisquer vantagens efectivas.

Nunca assinei qualquer contrato.

Tentei solicitar que não me enviassem mais pedidos de pagamento porquanto não me sentia obrigada a proceder a qualquer liquidação, dado, repito, não ter assinado qualquer documento.”

***

Apreciada a factualidade, cumpre opinar:

  1. Trata-se, como resulta do texto, de um contrato celebrado por telefone.

 

  1. Importa não confundir seguro de saúde com plano de saúde (cartão-desconto em serviços de saúde).

 

  1. O seguro de saúde é regido pela Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008).

 

  1. Os planos de saúde, ao contrário do que ocorre no Brasil, não estão sujeitos, entre nós, a um qualquer regime especial.

 

  1. Conquanto se prescreva na Lei dos Contratos à Distância que dela se excluem “os contratos relativos a serviços de cuidados de saúde, prestados ou não no âmbito de uma estrutura de saúde e independentemente do seu modo de organização e financiamento…”, o que neste passo ocorre submete-se, por não se achar regulado noutro qualquer dispositivo, ao diploma em epígrafe, por de um mero cartão-desconto se tratar (DL 24/2014: al. f) do n.º 3 do art.º 2.º).

 

  1. Daí que, tendo o telefonema sido induzido pela Medicar através de um anúncio, se haja de observar o que segue:

 

“Quando o contrato for celebrado por telefone, o consumidor só fica vinculado depois de assinar a oferta ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor …“ (DL 24/2014: n.º 8 do art.º 5.º)

 

  1. Logo, na circunstância, há que observar que:

 

“ … o fornecedor … [deva] facultar-lhe, em tempo útil e de forma clara e compreensível, as seguintes informações:

 

(seguem as indicações, literalmente de a a z, que constituem, afinal, o clausulado do contrato, cuja assentimento terá de ser feito por escrito (DL 24/2014: n.º 1 doart.º 4.º).

 

  1. Tratando-se, ademais, de um contrato de adesão havia que observar os requisitos da Lei das Condições Gerais dos Contratos(DL446/85: art.º 5.º):

“1 - As [condições gerais dos contratos] devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

…”

 

  1. Como o não fez e nem sequer o consumidor deu o seu assentimento por escrito, estamos na presença de um não contrato, de um contrato inexistente: não há, na circunstância, nem sequer um fumo de contrato, há, sim, um “nada jurídico”.

 

  1. O facto de o consumidor haver procedido à remessa de dados valores não significa tácito assentimento: tais montantes terão de ser devolvidos sem detença ao seu titular.

 

  1. Deve lavrar a denúncia no Livro de Reclamações (físico ou electrónico) (DL 156/2005: art.ºs 4.º e 5.º - C).

 

  1. No limite, se se recusarem a restituir-lhe os montantes que, entretanto, adiantou, exija a reparação dos danos materiais e morais causados, recorrendo ao Tribunal Arbitral de Conflitos de Consumo de Lisboa (Lei 24/96: n.º 1 do art.º 12 e Lei 144/2015).

 

CONCLUSÃO

  1. Um cartão-desconto em despesas de saúde celebrado, a instâncias da operadora, por telefone, exige – para ser válido – assinatura da oferta pelo consumidor ou o seu consentimento formal, por escrito (DL 24/2014: n.º 8 do artigo 5.º) .

 

  1. Para ser eficaz, curial seria que no período de reflexão ou ponderação de 14 dias o consumidor não exercesse o seu direito de retractação (DL 24/2014: art.º 10.º).

 

  1. Como não houve tal assentimento do consumidor, nem sequer há contrato (DL 24/2014: n.º 8 do art.º 5.º).

 

  1. Eventuais valores carreados para o contraente-fornecedor não constituem tácito assentimento, razão por que terão de ser devolvidos, sob pena de responsabilidade por danos materiais e morais (Lei 24/96: n.º 1 do art.º 12).

 

  1. No limite, há que recorrer ao Tribunal Arbitral de Conflitos de Consumo (Lei 144/2015).

 

Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -,Portugal