De um advogado do Porto:“podem os advogados assumir
o patrocínio da acções colectivas subvencionadas por determinados Fundos que de todo os subordinam a suas ordens e instruções, limitando a direcção do processo para que foram mandatados por instituição legitimada para as instaurar?”
Ponderando, cumpre responder:
-
O tema é actual e prende-se com o financiamento por terceiros das acções colectivas indemnizatórias que ora pululam, entre nós, mormente no Tribunal da Concorrência, em Santarém.
-
Uma sociedade de advogados solicitara já parecer ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados acerca da“compatibilidade do exercício da advocacia e, em particular do patrocínio forense, quando o financiamento de uma acção judicial e dos honorários do mandatário da entidade que inicia a acção são exclusivamente assegurados por uma terceira entidade, que não é parte na acção, gozando tal entidade de prerrogativas relativas à condução do processo judicial, designadamente no que respeita ao acesso ao processo, ao direito à informação, ao controlo da escolha dos mandatários, à possibilidade de transigir quanto ao objecto da acção, à discussão prévia de certas decisões, ao direito de estar presente em audiências e à derrogação do sigilo profissional.”
-
A apreciação do Conselho Geral não é nada lisonjeira para os advogados que assumem, nessas condições, um tal patrocínio: “ressalta de imediato uma violação clara e inequívoca do artigo 92 do Estatuto da Ordem dos Advogados. Na verdade a desvinculação ao Sigilo Profissional não está na livre disposição do advogado e apenas pode ser dispensado mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respectivo, com recurso para o Bastonário, …, e em condições muito excepcionais, nos termos do artigo 4.º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional.
-
Ademais, pondera o Conselho, a Cláusula 4.6, do “Acordo de Financiamento” viola o artigo 67, n° 2, do EOAquanto ao princípio da livre escolha do mandatário, na exacta medida em que condiciona aescolha de mandatário pela Autora a uma entidade terceira.
-
“É igualmente violado o artigo 89 do EOA, no que respeita ao dever de independência doadvogado, quando nas Cláusulas 4.2; 4.3; 4.4 e 4.5, do “Acordo de Financiamento” se impõemdeterminadas obrigações de gestão processual, que deveriam estar exclusivamente na esferaprocessual do advogado que lidera o processo, e que cerceiam e condicionam a suaautonomia técnica.”
-
“…Mais se diga, e numa perspectiva jurídico-constitucional, que estes contratos, porquecomportam um exercício abusivo do direito de acesso aos tribunais, nomeadamente do direitofundamental de acção popular, encerram um vínculo contratual contrário à lei constitucional.”
-
“E por isso, por serem violadores de lei, são nulos, sendo tal nulidade de conhecimentooficioso.”
-
O parecer cita um escrito de Paulo Otero [Da dimensão constitucional dos acordos de financiamento … acções populares indemnizatórias um problema de abuso de direitos fundamentais] em que o autor propugna a inconstitucionalidade de tais acordos.
-
A admissibilidade dos acordos de financiamento por terceiros não é pacífica entre nós, como se infere de sucessivas posições assumidas, nomeadamente por jurisconsultos nacionais em acção pendente [Jus OmnibusversusMastercard] no Tribunal da Concorrência, da Regulação e Supervisão.
-
Propendempara a admissibilidade de um tal pactoCarlos Blanco de Morais, Mariana Melo Egídio, Paula Costa e Silva e Nuno Trigo Reis, Paulo Paes Marques e Jorge Reis Morais, conquanto Gomes Canotilho, Jónatas Machado e Malheiro de Magalhães, de par com Paulo Otero, se situem na trincheira oposta.
EM CONCLUSÃO
-
Os acordos que os advogados vêm firmando com os Fundos de financiamento das acções colectivas violam um sem número de regras do Estatuto da O.A. (art.ºs 67, n.º 2, 89 e 92)
-
A Ordem tende a considerar que tais acordos são nulos porque feridos de inconstitucionalidade.
-
A doutrina divide-se, porém, sobre a matéria, aguardando-se que a Lei da Acção Colectiva Europeia venha a lumepara saber qual a posição do legislador português a tal propósito, já que de modo expresso não há lei que a proíba, como nada há que a autorize.
Mário Frota
presidente emérito daapDC – DIREITODO CONSUMO -,Portugal