Por: Antonio Francisco Costa*

*Jurista, especialista em ciência jurídica, ex-coordenador do Curso de Direito da Universidade Católica do Salvador, Membro do Instituto dos Advogados da Bahia, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, da Academia Maçônica de Letras da Bahia, Diretor Consultor do Escritório ANTONIO FRANCISCO COSTA Advogados Associados, do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito Tributário, Administrativo e Financeiro, Presidente do Instituto Baiano de Direito Empresarial – IBADIRE. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

1. Introdução – A concepção de Segurança Jurídica

A paz e a estabilidade da harmonia social de toda e qualquer nação, independentemente do regime político regente, estarão, sempre, na dependência de uma segurança jurídica, que é papel do Estado ofertar e garantir à sociedade.

Assim, não parece razoável ou racional que as ambições, não moderadas, dos atores do poder dominante afetem essa segurança jurídica estabelecida, sob pena de todo o sistema cair em descrédito às vistas da sociedade, o que desencadeia continuados abalos da ordem política e social, representando pesado óbice à necessária expansão do desenvolvimento econômico, imprescindível à garantia do bem-estar social.

Ademais, a segurança jurídica decorre da efetividade do princípio jurídico universal que oriente a máxima previsibilidade e estabilidade possível às relações humanas, ao mesmo tempo, não é suficiente, apenas, o cuidado para que uma nova norma legal não prejudique situações já consolidadas sob a regência de uma norma anterior, mas que se garanta a efetividade plena do direito constituído.

Sob esta visão foi que o constituinte de 1988 instituiu como norma fundamental, em termos de cláusula pétrea, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. (Artigo 5º, caput e inciso XXXVI, da Constituição Federal)– nem a lei, nem os juízes, nem os tribunais! Pelo contrário, estes, enquanto atores do poder jurisdicional, possuem o papel de garantir a sua efetividade absoluta, em nome da paz e do bem estar-social.

Esta concepção universal de segurança jurídica está nas entranhas da organização jurídica e do direito, desde o engatinhar da civilização humana, focada no ideal de paz, harmonia e bem-estar da sociedade.

2. Ordem jurídica, validade e eficácia das normas legais

Não podemos olvidar que um estado será tão forte e tão respeitável, quanto forte e respeitada for a sua ordem jurídica constituída.

Deste modo, não se concebe a ideia de que os “neo-jurisconsultos” se alvorem no direito de criar regras, equivocadamente, fundamentadas no poder-dever do juiz de interpretar as normas jurídicas, acrescentando a estes o poder de legislar o que, ou sobre o que o legislador ainda não o fez.

Assim, no estado de direito, o poder jurisdicional se exaure na função de interpretar, aplicar e fazer valer a eficácia da lei pré-constituída, quando provocado, não lhe cabendo, inclusive, fazê-lo de ofício.

Desvios improvisados nesta ordem do sistema levam acrises, fenômenos decorrentes de momentos de ruptura no funcionamento de um sistema, a uma mudança qualitativa em sentido positivo ou em sentido negativo, a uma virada de improviso, algumas vezes até violenta e não prevista no módulo normal, segundo o qual se desenvolvem as interações dentro do sistema. (BOBBIO et all, 1998)

A segurança jurídica não se concentra exclusivamente na intangibilidade da coisa julgada,direito fundamental insculpido no art. 5º,XXXVI, da Constituição Federal de 1988, disposição que integra o princípio da segurança jurídica e estabilidade das decisões judiciais, mas também, no universal direito ao devido processo legal, a um julgamento público, transparente e imparcial pelo competente juízo natural.
É certo, também, que, quando o próprio judiciário fragiliza a eficácia da coisa julgada, ofende a imprescindível segurança jurídica e macula, progressivamente, a credibilidade da justiça, contribuindo para a desarmonia social.

Deste modo é importante que se assegure a toda sociedade, indistintamente, a proteção da legalidade,tanto quanto a garantia da eficácia das decisões judiciais.

3. Óbices no sistema político-jurídico brasileiro
Extravagantes decisões recentes do Supremo Tribunal Federal têm deixado não só a comunidade jurídica atordoada, como toda a sociedade iracunda, inclusive em julgamento de demandas especiais que, stricto senso, não se enquadrariam no escopo da repercussão geral, instituto processual pelo qual é reservado ao STF o julgamento de temas trazidos em recursos extraordinários que apresentem questões relevantes sob os aspectos econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, aprofundando as graves crises políticas e jurídicas pelas quais, já de um razoável tempo, o Brasil vem passando.

A flagrante gananciosa ambição de dominação do poder tem levado a exagerados desvios de conduta por parte dos gestores públicos, inaptos ao exercício das funções públicas, em todas as esferas de poder, o que, muito embora, sempre tenha sido uma prática perene em nossa história, no nosso sistema político-jurídico, é urgente e imprescindível uma transformação cultural da Nação brasileira no sentido de isolar e punir, exemplarmente, os atores desse famigerado espetáculo corrosivo da honradez da Pátria, do desenvolvimento e da paz social.

Se as excepcionais lideranças honestas, patrióticas, não buscarem dominar o timão e colocar o barco no rumo certo, as falsas lideranças podem estar encaminhandoo País, em um curto espaço de tempo, para o campo da desobediência civil ou até mesmo para um indesejável conflito interno de imprevisível proporção. Como é sabido, para que o poder dominante seja obedecido, é imprescindível a credibilidade junto à sociedade, a conquista do respeito e da admiração, sob pena dos conflitos tornarem-se constantes e ameaçadores da harmonia e da paz social.

A democracia brasileira está enferma, vem sendo violentamente agredida por adversários explícitos,com a intenção de destruí-la. Talvez,até mesmo, resistindo a perceptível renovação recente de agentes nos poderes executivos e legislativo, com aparente sentimento nacionalista e comprometimento com o combate à corrupção. O momento exige muito vigilância e zelo quanto ao necessário respeito à ordem jurídica, à validade e à eficácia das normas legais.

Não se pretende aqui discutir o mérito da questão, nem a legitimidade ou competência da Corte, para um caso em particular, mas, a decisão que anulou a condenação do ex-presidente Lula, pelo Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento de habeas corpus, macula, significativamente, a credibilidade, não somente do Tribunal, mas de toda a Justiça brasileira.

Pois que, em se admitindo procedentes todos os argumentos constitutivos dos fundamentos da decisão, é de se perguntar: quantos milhares de outros brasileiros já foram condenados daquela forma, e quantos outros milhares serão, da mesma forma, condenados? Em especial por não terem condições econômicas para contratar bancas de advocacia para exaurir todos os possíveis recursos oponíveis, e com destacado prestígio nos Tribunais, haja vista a familiaridade do advogado do Impetrante com o ministro relator do processo no STF, durante o julgamento, ao ponto de este derramar lágrimas de alegria e emoção pela vitória do causídico. Fato histórico e inusitado que se perpetuará!

E, em não sendo procedentes os argumentos constitutivos dos fundamentos da decisão, é de, também, se inquirir: Como se acreditar na segurança jurídica das decisões judiciais? É possível depositar confiança na justiça brasileira? A ordem econômica pode confiar na segurança jurídica dos negócios contratuais e na solução dos conflitos pela via judicial?

4. À guisa de conclusão
Não há dúvidas de que o Supremo Tribunal Federal vive uma crise de legitimidade e credibilidade sem precedentes, talvez, até, estimulada pelo fato dos julgamentos ao vivo, através da televisão, para toda a sociedade, onde os senhores Ministros expõem ao público, em linguagem clara, seus pontos de vistas e até sentimentos ideológicos que extrapolam os fundamentos jurídicos, notadamente em julgamento de processos de elevada repercussão social e política, que se encerram beneficiando pessoas, socialmente importantes, envolvidas em atos de corrupção.

Diante de tudo isso, portanto, pode-se concluir que os atos oriundos da Suprema Corte, têm seus efeitos repercutidos,de forma ampla, na credibilidade da justiça brasileira, positiva ou negativamente. Os agentes públicos devem absorver a conscientização de que são eles, enquanto agentes públicos desempenhando suas funções, o próprio Estado brasileiro se expressando.

Por consequência, quando o Estado, por meio dos agentes públicos, exercendo, condignamente, suas funções, dão o exemplo do necessário cumprimento da lei, a sociedade experimenta tranquilidade, confiança e pode avançar com segurança em direção ao progresso e do bem estar.

Bibliografia
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. trad. Carmen C, Varriale et all. 1a ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.