Fabiane Louise Taytie*
O instituto da modulação de efeitos foi instituído para restringir o alcance das decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ao teor do art. 27 da Lei nº 9.868/99 que assim prescreve:
“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
A partir do advento do instituto dos recursos repetitivos a modulação de efeitos passou a ser aplicada, também, nas decisões proferidas em sede de controle difuso em que seja reconhecida a repercussão geral da matéria, no STF, ou o recurso repetitivo, no STJ, (art. 927, § 3º do CPC1) pois, nesses casos, os efeitos das decisões proferidas em sede de controle difuso se aproximam dosefeitos das decisões proferidas em sede de controle concentrado (art. 140 do CPC2).
Porém, na maioria das vezes, a modulação de efeitos das decisões proferidas em sede de repercussão geral ou de recurso repetitivo ocorre muito tempo após a decisão de mérito, o que tem causado dúvida nos operadores do direito acerca do prazo para a propositura de ação rescisória, tendo em vista que os Tribunais resolvem os casos sobrestados de acordo com as decisões de mérito proferidas pelos Tribunais Superiores (art. 1.040, I a III do CPC), antes da modulação de efeitos, o que tem colocado contribuintes iguais em condição de desigualdade.
Para facilitar o entendimento citemos o caso do Tema nº 985 da Repercussão Geral que fixou a tese de que “é legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”.
Esse tema foi fixado no julgamento do RE nº 1072.485/PR, cuja publicação da ata do julgamento de mérito ocorreu em 15/09/2020. A partir daí os Tribunais locais passaram a julgar os recursos sobrestados entendendo que era devida a contribuição social sobre o terço constitucional de férias. Com o trânsito em julgado dessas ações individuais a partir do ano de 2020, os contribuintesdesagraciadosdeverão pagar o tributo.
Porém, em 12/06/2024, o STF modulou os efeitos da decisão proferida em 15/09/2020, no julgamento dos EDCL no RE nº 1.072.485 para atribuir efeitos ex nunc ao acórdão de mérito, a contar da publicação de sua ata de julgamento, ressalvadas as contribuições já pagas e não impugnadas judicialmente até essa mesma data, que não serão devolvidas pela União.
Com essa modulação de efeitos instaurou-se a seguinte situação: a) contribuintes que não pagaram o tributo até 15/09/2020 só passarão a pagá-lo a partir dessa data, porque agraciados com os efeitos da modulação; b) os contribuintes que ingressaram com ação para declarar a inexigibilidade do tributo e perderam em decorrência da aplicação do disposto no art. 1.040, I, II e III do CPC, deverão também pagar o tributo incidente antes de 15/09/2020, por força da existência de decisão transitada em julgado.
E muitas vezes a decisão proferida no caso concreto foi proferida há mais de dois anosantes da decisão de modulação de efeitos, o que em tese impediria a sua rescisão ao teor do art. 975 do CPC que prescreve que“o direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”, que perpetuaria a situação de desigualdade.
Porém, o C. STJ trouxe luz para a questão ao fixar o Tema Repetitivo nº 1.245, no julgamento do REsp nº 2066696/RS, aonde é possível concluir que entendeu que o prazo para a propositura de ação rescisória inicia-se a partir da decisão modulatória.
De fato, o Tema Repetitivo nº 1245fixou a seguinte tese:
"Nos termos do art. 535, § 8º, do CPC, é admissível o ajuizamento de Ação Rescisória para adequar julgado realizado antes de 13.05.2021 à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69/STF - Repercussão Geral."
Segundo o Tema nº 69-RG: "o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS"
Esse Tema nº 69 foi fixado a partir do julgamento do RE 574.706/PR, cujo mérito foi julgado em 15/03/2017, e a modulação de seus efeitos ocorreu com o julgamento dos embargos de declaração datado de 13/05/2021.
O citado art. 535, § 8º do CPC, por sua vez, prescreve:
"Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:
.III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
.........
- 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
........
- 8º Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Logo, examinando o conteúdo do tema nº 1245 é possível concluir que o STJ entendeu que naquele caso, que também trata de matéria tributária, o prazo para ação rescisória se inicia após a modulação dos efeitos, tal como ocorre nos casos em que há declaração de inconstitucionalidade.
Em que pese o Tema Repetitivo nº 1.245 tratar especificamente da modulação de efeitos estabelecida no Tema 69-RG, não há como negar que a inteligência da tese fixada naquele Tema deve ser aplicada no caso do Tema nº 985-RG citado inicialmente como exemplo, e a todos os demais casos similares em que a matéria de fundo seja a mesma.
* Sócia do escritório Harada Advogados Associados.
1“ § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.”
2“Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:
I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior;
II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;
III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior;
IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.
- 1º A parte poderá desistir da ação em curso no primeiro grau de jurisdição, antes de proferida a sentença, se a questão nela discutida for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da controvérsia.
- 2º Se a desistência ocorrer antes de oferecida contestação, a parte ficará isenta do pagamento de custas e de honorários de sucumbência.
- 3º A desistência apresentada nos termos do § 1º independe de consentimento do réu, ainda que apresentada contestação.”