A pretensão de eliminar a isenção aplicável a compras internacionais de valor até 50 dólares é fundada em consistentes argumentos.Só a demagogia seria capaz de gerar tantas controvérsias sobre a matéria.
Nada justifica dispensar um tratamento favorecido às importações em desfavor da produção doméstica, porque ofensiva aos princípios constitucionais da isonomia e da prevenção dos desequilíbrios concorrenciais decorrentes da tributação, de que tratam respectivamente os artigos 150, inciso II, e 146-A da Constituição.
Iniciativas para corrigirtal anomalia, qualificada como discriminação territorial inversa, são sancionadas pela legislação tributária de muitos países.No Brasil, por exemplo, a eliminação do monopólio exercido pela Petrobras na importação de combustíveispretextou, em 2001, a instituição de uma contribuição de intervenção econômica (CIDE) para compensar o desequilíbrio entre a tributação pelo PIS/Cofinsna produção doméstica e na importação daquele produto, pois à época não havia previsão de incidência dessas contribuições nas importações.
Para entender a isenção de 50 dólares, é preciso lembrar o contexto em que ela foi instituída, em 1995: não existiam plataformas de comércio eletrônico e as importações da Ásia eram pouco expressivas e de má qualidade. O foco era o comércio realizado por meio das empresas de remessa expressa e a isenção era restrita às operações entre pessoas físicas, as chamadas “lembrancinhas”. Hoje, o cenário é completamente diferente, em termos de agilidade e volume dos negócios equalidade dos produtos.
Como a má conduta fiscal é fenômeno socialmente oportunista, a isenção encontrou uma brecha de difícil enfrentamento: é praticamente impossível saber se o remetente é uma pessoa física, tanto quanto os adquirentespodem ser laranjas de empresários;são frequentes as fraudes aduaneiras (fracionamento, subfaturamento, declaração de falso conteúdo, etc.).Por sua vez, a alíquota de 60% aplicável às demais importações, no regime simplificado,é certamente excessiva, porque traduz as elevadas alíquotas incidentes na importaçãoexistentes à época.Hoje, elaconstitui fator que estimula a migração fraudulenta da operação tributada para a isenta.
A melhor solução para prevenir a discriminação territorial inversa é eliminar a isenção e calibrar para baixo a alíquota de 60%, sem dispensar severos controles aduaneiros, inclusive com imputação de responsabilidade solidária às plataformas. As blusinhas brasileiras agradeceriam.
Everardo Maciel é consultor tributário e ex Secretário da Receita Federal.