RÁDIO VALOR LOCAL

DIRETO AO CONSUMO

INFORMAR PARA NÃO REMEDIAR’

programa

de

25 de Outubro de 2022

 

CONSIDERANDOS

PERGUNTA

 

MIGUEL RODRIGUES – Rádio Valor Local

Os produtos da fileira do agro-alimentar disparam e forma assustadora.

Entretanto, os anunciados aumentos salariais andam por metade dos índices da inflação.

Fala-se numa inflação [dados oficiais, sempre falíveis] a rondar os 10%.

Ora, há produtos não processados que dobraram o preço – ovos, açúcar, farinha – e outros que aumentam 30, 40, 50%

A grande distribuição alimentar – os híper e supermercados – registaram um volume de venda de tais produtos da ordem dos cerca de 600 milhões de euros num ano, não porque as pessoas tivessem comprado mais, mas porque são forçadas a pagar mais por menos produtos, porque vêm, em geral, restringindo os seus níveis de consumo dados os preços por que estão os produtos processados e não processados na cadeia alimentar.

Para além disso, a grande distribuição regista lucros, que aqui pra se chama inesperados, ora excessivos e lá fora se denominam “lucros caídos do céu”, que ninguém esperaria viesse a acontecer.

No entanto, o Estado também lucra mais com este estado de coisas porque vai buscar a sua parte ao IVA que incide sobre tais produtos.

Como é que, em sua opinião, deveria ser, neste momento de crise e de acrescidas dificuldades para as famílias, ser encarada a questão?

 

RESPOSTA

De uma forma muito simples.

Não se pode fechar os olhos à realidade, como parece suceder entre nós, com o Governo a considerar, neste particular, que o sistema de mercado em livre concorrência funciona sem sobressalto, quando se está em presença de uma situação anómala, condicionada pelos efeitos directos e reflexos de uma situação de beligerância declarada, cujo termo de todo se ignora e que tende a prolongar-se muito para além das menos optimistas previsões.

O Governo, em nosso entender, tem de eleger um cabaz de produtos básicos aferido em função de uma dieta nacional construída com rigor – e não faltam hoje especialistas – para que os níveis de subsistência humana se assegurem.

E, tal como o fez, tarde e a más horas, perante a situação de emergência determinada pela pandemia da SARS – COV 2, a Covid 19, definir um sistema de preços máximos no comércio por grosso como no do retalho, a fim de sofrear a sanha avassaladora das grandes insígnias, dos grandes grupos de distribuição que operam no agro-alimentar.

Durante a situação de emergência declarada os produtos de higiene, saúde e conforto, os equipamentos médicos e o mais, dentro desse quadro, viu os preços restringidos por decreto.

Para obstar, por exemplo, que um oxímetro, aparelho minúsculo para medir os níveis de oxigénio no sangue a infectados pela Covid e não só, que custava entre os 5 e os 8 euros, não estivesse no mercado a 70 ou a 80 euros, como, de resto, numa situação aguda em mesmo paguei numa farmácia em Coimbra, num aproveitamento reverberável da situação…, que o Governo nem previu nem preveniu…

Para grandes males, grandes remédios.

Isso limitaria, com efeito, a espiral de preços e os lucros astronómicos que tais grupos tendem a alcançar sem que nisso o Governo pretenda intervir, numa sorte de proteccionismo de sinal diferente e ante o generalizado empobrecimento da população.

Aliás, fenómenos como os dos furtos nas gôndolas dos supermercados – de produtos elementares como latas de atum, azeite e pão, por exemplo – são ilustrativos da situação que ora se vive.

Os bancos alimentares contra a fome já atendem mais de meio milhão de pessoas carenciadas, entre nós, segundo dados nos últimos dias revelados.

Há um aproveitamento anti-social das circunstâncias para que uns quantos enriqueçam desmesuradamente e uma mole imensa – e isto não é mera figura de retórica – empobreça preocupantemente…

Aliás, com os combustíveis, mercê das políticas da OPEP, em escassez no mercado e com os preços a disparar assustadoramente, de tal sorte que se afirma que antes do Natal gasóleo e gasolina atingiram a bitola dos 3€, os postos de abastecimento que se limitavam a margens de comercialização de 15, 18%, em que assentariam os encargos gerais e os lucros, hoje, sem quaisquer limites, fizeram crescer essas margens para 30 ou mais por centro.

Com o Governo com paliativos e sem uma política de intervenção nos preços, como o actual momento de todo o impõe.

Trata-se, aliás, para os grandes grupos económicos, de ter os melhores aliados para estas políticas suicidas de preços que só não levam a explosões sociais porque “o povo é sereno!”, “é só fumaça!”, como dizia o almirante Pinheiro de Azevedo, que conheci de calções, no Zaire, em que como militar servi, nos anos 60 do século passado.

O pior é que não é “só fumaça!”

É muito mais que isso , é a destruição do tecido social, é a pauperização de segmentos relevantes da sociedade, é a destruição das classes médias que são, por definição, o sustentáculo dos regimes e o alfa e o ómega de uma qualquer sociedade politicamente organizada…

 

PERGUNTA

Miguel Rodrigues – Rádio Valor Local

Professor, mas não sejamos injustos, o Governo, para além do mais, deu, como hoje se usa dizer, um bónus por filho de 50 € e, por cabeça ou por agregado, já nem sei, de 125 €.

 

RESPOSTA

Comoo indaguei em artigo de opinião, ontem publicado num dos diários de Coimbra, a propósito exactamente da notícia da proliferação dos furtos nos híper e supermercados;

Quantas latas de atum cabem nos tão decantados 125 € de “bónus”, como todos lhes chamam, que os media se habituaram a fazer coro com o Governo, e mais não são, repartidos pelos 12 meses do ano, que meros 10,40€ /mês?

Sim, 10,40 €, que os fazedores da imagem do Governo convertem em valor de “encher o olho”, como se fora creditado em conta mês a mês o montante global ora atribuído…

Os cálculos serão, com efeito, simples e fáceis de fazer:

Uma lata de atum (posta) de 250 gr, peso líquido (tamanho familiar?), custa cerca de 4,70 €; logo, o famigerado “bónus” mensal dá para 2, 2 latas… do tão cobiçado atum!

Se for de uma das marcas tradicionais, em limão e jindungo, por exemplo, ao preço por unidade de 2,90 €, sempre se leva para casa quase 3 latas e meia… para o consumo do mês!

Se em vez de atum se apontar para o bacalhau (o eterno mito do alimento dos pobres, dadas as mil e uma maneiras de o confeccionar, poupando-o na mistura com outros ingredientes), os 10,40€ já não chegam para um quilo do graúdo (que está a 12,00, 13,00 €/ Kg) … antes para o escamudo… que é uma espécie ‘degenerativa’ que espíritos menos despertos e atreitos às sugestões e embustes confundem com a original!

Os poderes tendem a dissimular o clima envolvente, fazendo crer que o mercado funciona normalmente [e não se pode afrontar o sistema de economia de mercado, qual dogma irremovível…] quando os condicionamentos são de monta e se reflectem designadamente nos preços, como a ninguém escapa!”

O pretenso bónus de apoio ao abono de família por filho, pouco mais que 4€ dá por mês. Dá, quando muito, para comprar… menos de metade de um pacote de Leite em Pó Nido (passe a publicidade) de 680 gr., cujo preço por unidade atinge, em geral, os 9€…

Como diria o outro, menos atreito a deixar-se seduzir por estas camapanhas de propaganda do Governo: “porca miséria”

E assi permanecemos nesta “austera, apagada e vil tristeza” com que a História fundo nos marcou… qual ferrete cravado na anca, nesta pobre condição de ser português e ter, nas esferas da condução dos destinos da Nação, elites destas a governar-nos…

 

PERGUNTA

Miguel Rodrigues – Rádio Valor Local

De um leitor, Rodrigo Manuel, Lisboa:

 

Estivemos recentemente, eu e minha Mulher, num restaurante em Lisboa. Pedimos a ementa do dia com bebidas à parte. Em alternativa, ou uma garrafa ou um copo de vinho. Pedimos um copo de vinho para cada um de nós. Porque a garrafa seria sempre demais.

O que acontece é que durante o tempo do almoço o empregado, sem que de tal nos apercebêssemos, foi enchendo os copos. No fim, apresentou à cobrança e paguei 5 copos, não sabendo eu, já que não fora informado nem da carta constava, que ao empregado cabia encher os copos, mal se fossem esvaziando ao longo da refeição e que os teria de pagar…

Como já ouvir falar da história do “couvert” … , aplica-se neste caso o mesmo preceito?”

 

RESPOSTA

 

Cumpre ponderar os termos da consulta e enquadrar os factos nas normas aplicáveis:

1. Comecemos, em geral, pela Lei-Quadro de Defesa do Consumidor: aí se estabelece de forma singular no n.º 4 do seu artigo 9.º que

O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”

2. O Regime Jurídico do Acesso e Exercício de Actividades de Comércio, Serviços e Restauração [DL 10/2015, de 16 de Janeiro] prescreve no seu artigo 135:

1 - Nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas devem existir listas de preços, junto à entrada do estabelecimento e no seu interior para disponibilização aos clientes, obrigatoriamente redigidas em português, com:

a) A indicação de todos os pratos, produtos alimentares e bebidas que o estabelecimento forneça e respectivos preços, incluindo os do couvert, quando existente;

b) A transcrição do requisito referido no n.º 3.

2 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por couvert o conjunto de alimentos ou aperitivos identificados na lista de produtos como couvert, fornecidos a pedido do cliente, antes do início da refeição.

3 - Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.”

3. Já o Decreto-Lei n.º 24/2014, no seu artigo 28, sob a epígrafe “fornecimento de bens não solicitados, estabelece de modo consequente que

1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como consentimento.”

4. Já o Decreto-Lei 57/2008 [Lei das Práticas Comerciais Desleais], na alínea f) do seu artigo 12, define que

São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:

Exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços … que o consumidor não tenha solicitado...”

5. Para além do não pagamento de tais bens, que é, aliás, direito irrecusável do consumidor, a cada um dos preceitos enunciados nos n.ºs de 2 a 4 corresponde uma coima e uma sanção acessória, já que se trata de ilícitos de mera ordenação social (contra-ordenações económicas).

6. Consequentemente, ao consumidor, no momento da apresentação da conta, cumpriria declinar o pagamento, exigindo a correcção para os 2 dos 5 copos de vinho cobrados. Se fosse oposta resistência, o recurso ao Livro de Reclamações seria o caminho mais adequado para se lavrar convenientemente a reclamação pela insólita ocorrência.

EM CONCLUSÃO

a. Ao consumidor não pode ser exigido dinheiro por produtos ou serviços que não encomendou ou não constituem o cumprimento de um qualquer contrato validamente celebrado [Lei 24/96: n.º 4 do art.º 9.º; DL 24/2014: art.º 28; DL 57/2008: al. f) do art.º 12]

b. “Nenhuma… bebida, para além da encomendada, pode ser cobrada se não for solicitada pelo cliente” [DL 10/2015: n.º 3 do artigo 135]

c. Se, entretanto, tal acontecer, cumpre ao consumidor recusar-se a pagar, apondo, se tanto for necessário, a sua reclamação no livro respectivo [DL 156/2005: n.º 5 do art.º 2.º]

d. Se resistência houver por parte da gerência do estabelecimento, cumpre solicitar a presença de um agente da autoridade para desbloquear a situação, da reclamação como do mais [DL 156/2005: n.º 4 do art.º 3.º].